Tecnologia

Consumidor 5.0: proteção de dados ainda é um desafio?

Por Luís Henrique Bortolai e Luiz Carlos Ferreira Martins Corrêa *

Quem acompanha um popular reality show de uma das grandes emissoras da TV brasileira presenciou recentemente uma situação recorrente: um verdadeiro embate para mobilizar a votação dos telespectadores para eliminar um dos participantes do jogo. Torcidas trataram de tomar as redes sociais em defesa dos seus eleitos e vários estabelecimentos comerciais fizeram uma série de promoções, utilizando o nome e a imagem dos integrantes do paredão para pegar carona no assunto do momento. É aqui que a oportunidade pode acabar saindo bem caro: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) veta essa utilização não autorizada dos dados pessoais para fins comerciais, seja de famosos ou anônimos, que podem inclusive processar seus autores. Assim como neste episódio, é possível perceber no dia a dia uma série de situações corriqueiras onde a legislação ainda causa dúvidas e riscos de penalização, especialmente o tratamento dos dados nas relações de consumo.

Após uma década de debates, a LGPD veio para regulamentar a maneira como disponibilizamos nossas informações pessoais e como esses dados são tratados por aqueles responsáveis pelo seu armazenamento e controle, sejam empresas, órgãos públicos ou autoridades. Nada mais coerente, em plena época da sociedade conectada, onde dados pessoais viraram commodities na busca pela melhor estratégia para atingir o público-alvo. Em muitos pontos, essa norma é complementar à segurança aos direitos conferida pelo Código de Defesa do Consumidor. Mas ainda há disparidades no cumprimento das regras.

Como a lei entrou em vigor de fato no ano passado – em plena pandemia e no momento em que muitos consumidores migraram para as compras online – o e-commerce foi um dos primeiros canais a se adaptar de maneira mais rápida. Hoje, é raro acessarmos uma página que não contenha logo no início o aviso de sua política de privacidade e a solicitação para a permissão do uso de cookies, ou seja, pequenos arquivos armazenados no computador do usuário que possibilitam acompanhar e analisar sua navegação. Sim, esses cookies também são considerados dados pessoais, já que são indicadores dos interesses e preferências do consumidor. E, da mesma forma, quem os armazena precisa se responsabilizar por essa informação.

Porém uma grande parte dos estabelecimentos presenciais, como farmácias, por exemplo, ainda correm para se adaptar e assegurar que seus sistemas ofereçam a segurança adequada às informações. Em muitos deles, o consumidor é solicitado a fornecer dados como CPF, RG ou endereço para ter acesso a programas de fidelidade e descontos. É um recurso que não fere a lei, desde que o consumidor autorize essa utilização, e que sua privacidade esteja garantida. O que muitas vezes é muito difícil de alcançar quando você precisa informar seu CPF à frente de todos no caixa da loja, ou mesmo passar esse número como sua chave PIX, por exemplo.

Poder de decisão na mão do consumidor

Acostumados a fornecer os dados para todo e qualquer cadastro, muitos consumidores ainda não perceberam que a LGPD, na verdade, confere ao titular das informações a plena autonomia em relação ao que pode ou não ser realizado com esse conteúdo. É um poder de decisão que está inclusive influenciando as estratégias de comunicação das marcas com seus públicos.

Cada vez mais, ganham força as técnicas menos invasivas, como o inbound marketing, que busca atrair o cliente com conteúdo de interesse, ou seja, onde o usuário opta por fornecer seus dados porque tem interesse genuíno no tema que está sendo abordado por aquela peça publicitária. Você preenche o formulário com seu nome completo, telefone e endereço de e-mail porque, de fato, deseja fazer o download daquele e-book ou pesquisa, ou ainda concorrer àquele sorteio.

Mas mesmo que concordem em participar de campanhas e ações promocionais, os consumidores possuem por lei o direito de saber como esses dados serão utilizados e com quem serão compartilhados. Podem solicitar sua eliminação a qualquer momento. Podem recorrer ao Procon e ao Ministério Público se sua imagem ou suas informações forem indevidamente utilizadas ou vazadas. E se não forem atendidos em suas requisições pelos comerciantes, podem acessar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), órgão criado para regulamentar a LGPD em todo o país. As penalidades previstas pela LGPD vão desde uma simples advertência até uma pesada multa diária, além dos prejuízos à imagem e aos negócios que a empresa pode sofrer: que outro consumidor se arriscará a confiar nessa marca novamente?

De um lado, é fundamental que as empresas, além de investir na adequação de seus processos, tanto do ponto de vista legal como em termos de informatização no tratamento das informações pessoais, procurem conscientizar e informar todos os participantes de sua cadeia de relacionamento, como colaboradores e fornecedores, das novas práticas, evitando assim maiores riscos na operação. A LGPD pede transparência sobre o respeito aos dados e finalidade de utilização e esse diálogo é essencial. De outro, o consumidor deve se precaver e sempre buscar seus direitos, reunindo provas e comprovantes de suas solicitações. Lembrando que o ônus da prova é sempre de quem gerencia as informações.

Sem dúvida, existem muitos pontos que são objeto de debate, como postagens públicas nas redes sociais ou mesmo determinadas autorizações, como o uso de dados para fins jornalísticos. Ressaltando que a LGPD está sendo implementada em ondas. As empresas que já estão adequadas – principalmente as que já atuam fora do país – exigem de seus parceiros mercadológicos o mesmo processo. Isso passa a ser um diferencial até mesmo na escolha do consumidor pela prestação do serviço e na concorrência para essas empresas. Mas ainda temos muito a evoluir tanto na regulamentação como na fiscalização. A criação da ANPD é um marco importante na busca desse aperfeiçoamento. É a próxima etapa, dentro do ciclo de maturação de quase toda grande legislação, especialmente ao tratar de uma temática de escala nacional.

*Luís Henrique Bortolai é professor e coordenador do curso de Direito do Centro Universitário UniMetrocamp Wyden

*Luiz Carlos Ferreira Martins Corrêa é professor e coordenador do curso de Comunicação e Design do Centro Universitário UniMetrocamp Wyden

Imagem: Divulgação

Mais em: Centro Universitário UniMetrocamp Wyden e Fibra Comunicação 

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