Entrevista

Serviço Social fortalece a luta antirracista no BRASIL

Combate ao racismo é princípio de atuação profissional dos/as assistentes sociais. Porta-vozes do CRESS-SP falam do papel da categoria na luta antirracista e da necessidade do engajamento da branquitude e de toda a sociedade brasileira para a construção de uma nova sociabilidade
São Paulo, 1o de dezembro de 2020.

Em 2020, o racismo foi pauta constante nos noticiários com a repercussão de uma série de episódios de discriminação, violência e assassinatos de cidadãos e cidadãs negros/as no Brasil e no mundo. Protestos e mobilizações ganharam as ruas e a cobertura jornalística, mas a luta antirracista vai muito além.

O Serviço Social brasileiro, por exemplo, tem a luta antirracista, já há anos, como um princípio de atuação dos/as profissionais da área. Por meio dos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social, que formam o Conjunto CFESS-CRESS, vem denunciando e combatendo o racismo no interior da profissão e na sociedade, com iniciativas, entre outras, que incluem a realização de campanhas, pesquisas e eventos, e a formação de comitês.

Como o Comitê Assistentes Sociais no Combate ao Racismo do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo — 9a Região (CRESS-SP), que tem forte atuação e presença nesse sentido, promovendo diversas ações e contribuindo para a construção de um repertório importantíssimo para a luta antirracista.

Em novembro, em alusão ao Dia e ao Mês da Consciência Negra, o CRESS-SP lançou, por meio do Comitê, a série de vídeos “Nossos passos vêm de longe! Saudamos mulheres negras que enegrecem o Serviço Social”, que femenageia assistentes sociais negras, pioneiras e/ou responsáveis por avanços no debate étnico-racial na profissão. O Conselho também promoveu encontros virtuais para debater o Serviço Social e a luta antirracista. Coroando a agenda de novembro e, ao mesmo tempo, buscando fomentar a continuidade da cobertura do assunto na imprensa, entrevistamos cinco porta- vozes do CRESS-SP, todas integrantes do Comitê Assistentes Sociais no Combate ao Racismo.

Na conversa, as assistentes sociais Aparecida Mineiro do Nascimento Santos, trabalhadora das Medidas Sócio-educativas/Fundação Casa e Conselheira Estadual suplente do CRESS-SP, Pammella Barbosa Galdino, trabalhadora do SUAS e Conselheira Estadual suplente do CRESS-SP, Patrícia Maria da Silva, trabalhadora da Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo e Conselheira Estadual do CRESS-SP, Sirlane de Souza Santana, membro da Direção do CRESS-SP na Seccional São José do Rio Preto, e Simone dos Santos, trabalhadora na Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Araçatuba e Secretária da Direção da Seccional de Araçatuba do CRESS-SP, fizeram reflexões fundamentais para o combate ao racismo. Confira!

Pergunta: O Brasil é um país racista? E São Paulo, é um estado racista?
Sirlane de Souza Santana
: Sim. Podemos identificar [o racismo], primeiramente, na ausência de pessoas negras em determinados espaços de ocupação ou trabalho, podemos observar na tratativa que pessoas negras recebem nos comércios — por exemplo, shoppings, supermercados, bancos. Neles está expresso o que chamamos de racismo individual e racismo estrutural.

P: O que é a luta antirracista, como ela acontece na prática?
Sirlane
: A luta antirracista está pautada na luta por transformação na estrutura da sociedade. Na prática, precisamos, primeiro, entender e reconhecer que somos parte do problema. A partir daí, identificar as práticas racistas no cotidiano, desde pequenas ações. Devemos fazer a reflexão e a desconstrução do racismo nos espaços que ocuparmos, principalmente os/as não negros/as. Construir caminhos nos mais variados espaços para que se comprometam com a promoção da igualdade racial. E não devemos ter a ilusão de que o racismo vai acabar dentro da estrutura capitalista, porque não vai. É necessário construir uma nova sociabilidade em que não haja oprimido nem opressor.

P: Como o Serviço Social contribui concretamente para essa luta?
Aparecida Mineiro
: O Código de Ética Profissional do/a Assistente Social, aprovado em 1993, é o primeiro código profissional do Serviço Social que introduz a questão da não discriminação como um de seus princípios fundamentais. Este ponto nos leva a uma reflexão acerca da importância atribuída à ética e aos direitos humanos no interior do projeto ético-político a partir dos anos 1990, fortalecendo as bases para o desenvolvimento de um debate sobre a questão étnico-racial no cotidiano do/a assistente social. A assistência social e as políticas sociais têm como objetivo a garantia de direitos e a melhoria das condições de vida, sendo o/a assistente social agente estratégico/a na análise crítica da realidade e na instrumentalidade das políticas sociais locais.

As questões étnico-raciais sempre foram debatidas, mas, com a implantação da campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo [em 2017; Campanha de Gestão do Conjunto CFESS- CRESS], o impulso foi maior, chamando a atenção de todas, todos e todxs as/os/xs assistentes sociais e nos dizendo que a questão é responsabilidade nossa. O CRESS-SP, como a maioria dos CRESS do Brasil, adotou como estratégia a criação do Comitê Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, objetivando levar o debate para combater o racismo, principalmente o racismo institucional, nos vários espaços de trabalho do/a assistente social.

P: Por que assistentes sociais devem estar na luta antirracista?
Aparecida
: O trabalho de assistentes sociais tem relação direta com as demandas da população negra que reside nos morros, nas favelas, no sertão, no campo e na cidade. Assistentes sociais estão nos serviços públicos como os de saúde, educação, habitação e assistência social, que devem ser garantidos para toda a população. O combate ao preconceito é um compromisso do Código de Ética dos/as assistentes sociais (princípio ético XI). Este debate é primordialmente na nossa profissão. Foram muitas as lutas e continuam sendo, é compromisso ético e profissional de cada profissional ampliar suas percepções nas diversas expressões de racismo que ocorrem no nosso cotidiano. Mas não basta somente observar, temos que dar voz e combater esta chaga no nosso cotidiano profissional. Sabemos que esta luta é histórica, contudo, o nosso momento, o nosso presente, exige que não nos calemos, que façamos a nossa parte diariamente, agindo rigorosamente, não fechando os olhos, e não achando que é assim mesmo.

P: Qual é o papel da branquitude na luta antirracista?
Pammella Barbosa Galdino
: Primeiramente, conhecer-se enquanto detentora de privilégios, mas, para além disso, reconhecer que a luta antirracista é uma responsabilidade de pessoas brancas, também, afinal de contas, o racismo foi algo criado por brancos/as para justificar a escravização de pessoas negras, não é mesmo?

Responsabilizar-se pela luta antirracista significa não só ser apoio às reivindicações dos movimentos negros, mas compreender que o processo de racialização se dá na dinâmica das relações sociais e, portanto, reconhecer que pessoas brancas foram socializadas a se pensarem como sujeitos que representam a universalidade humana, o padrão a ser alcançado e que, em uma sociedade baseada na desumanização de alguns corpos para justificar o lucro acima da vida, é necessário entender esse lugar como um espaço de poder.

Portanto, ler autores/as negros/as, levar a discussão racial para os espaços que compõem, tensionar e questionar a ausência de negros/as, indígenas nos espaços, não esperar que seja um questionamento somente de pessoas negras. Por fim, que pessoas brancas se coloquem e assumam um papel ativo na reflexão dos lugares de poder que ocupam: lendo pessoas negras, escutando pessoas negras, criando espaços de discussão sobre a questão étnico-racial, sem perder de vista o protagonismo de pessoas negras nesta luta.

P: O engajamento da categoria de assistentes sociais pode servir de exemplo para o engajamento de outras categorias profissionais?
Simone dos Santos
: A nossa profissão nos ensina e nos permite contribuir com outras profissões, no cotidiano do trabalho, sobre a luta antirracista no exercício de qualquer profissão. O racismo é estruturante em nossa sociedade, e por se manifestar em diferentes espaços, é necessário que todos/as estejamos engajados/as para combatê-lo.

Nós, do Serviço Social, na maioria das vezes, atuamos com outras áreas do saber e sempre nos é possível enegrecer os nossos escritos com referenciais teóricos de estudiosos/as negros/as, por exemplo, como combate ao epistemicídio histórico realizado até os dias de hoje pela academia tradicional europeia. Sempre é possível, numa discussão de atendimento com a rede de serviços, contextualizarmos historicamente o legado deixado por este país para a população negra, que, até os dias de hoje, é a que não tem acesso a saneamento básico adequado, é assassinada pelas forças do Estado e pelo crime, está encarcerada. Atuar tendo como referência a luta antirracista é, no mínimo, ter sempre no horizonte que estamos lidando com processos históricos e jamais com a culpabilização dos indivíduos como responsáveis isolados de suas escolhas.

P: Que iniciativas do CRESS-SP destacariam no contexto da luta antirracista?
Simone: O Comitê Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, que está sob gestão do CRESS-SP, a meu ver, é um dos resultados mais efetivos e consistentes da campanha realizada pelo Conjunto CFESS- CRESS, porque ele é permanente. Hoje, temos, no seio do nosso Conselho, um coletivo de assistentes sociais que mantém comunicação ativa e constante nessa discussão. Temos mentes e corações, como nos dizia a querida Mabel Assis, pensando em ações político-práticas para enfrentar o racismo no cotidiano da profissão e na aproximação da categoria com a temática.

P: Por que todos/as devem se engajar na luta antirracista?
Patrícia Maria da Silva
: A sociedade brasileira cresceu e se desenvolveu a partir do processo de escravização do povo negro. São mais de três séculos de história calcados no processo de exploração e violência contra a população negra deste país.

Se há, de fato, um interesse da sociedade brasileira em ser antirracista — em minha avaliação, não há esse interesse, não enxergo a branquitude desejando coletivar seus privilégios, suas vantagens sociais —, faz-se necessário destruir a lógica de reprodução do capital, assim como se faz necessário coletivar os espaços de poder. É uma tarefa urgente para toda a sociedade. O racismo não foi “criado” pela população negra, logo, combatê-lo, destruí-lo é tarefa de toda a sociedade.

SOBRE O CRESS-SP
O Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo — 9a Região, CRESS-SP, integra o Conjunto CFESS-CRESS, criado após a regulamentação da profissão de assistente social. O CRESS-SP foi instituído pela Lei no 3.252/57, pelo Decreto no 994/62 (hoje alterados para Lei 8.662/93) — uma exigência constitucional para todas as atividades profissionais regulamentadas por lei. Por ser uma entidade de direito público, o CRESS-SP tem suas contas apreciadas anualmente pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Compete ao CRESS-SP: orientar, disciplinar, fiscalizar e defender o exercício da profissão de Serviço Social; zelar pelo livre exercício, dignidade e autonomia da profissão; organizar e manter o registro profissional das/dos assistentes sociais e das pessoas jurídicas que prestam serviços de consultoria; zelar pelo cumprimento e observância do Código de Ética Profissional.

Imagem: Divulgação – Foto de Aarón Blanco Tejedor no Unsplash

Mais em: CRESS-SP e MPM Comunicação

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