Medicação feita a partir de células vivas pode controlar totalmente a doença, mas chega a custar R$ 10 mil por mês; acesso gratuito depende de laudos e relatórios médicos após métodos que não deram certo.
Por: Ludimila Honorato, O Estado de S.Paulo
Nos últimos 15 anos, a indústria farmacêutica tem desenvolvido tratamentos mais eficazes para a psoríase, doença que provoca lesões e descamação na pele, chamados de biológicos. Produzidos a partir de células vivas, os medicamentos atuam mais rapidamente no organismo e controlam de 70% a 100% a doença. Eles seriam a primeira opção dos médicos nos casos moderados e graves se não fosse o alto custo: de R$ 5 mil a R$ 10 mil por mês.
Estima-se que, no Brasil, 5 milhões de pessoas tenham a doença, que é autoimune e, na maioria dos casos, de origem genética. Segundo pesquisa da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), com 8.947 moradores de 26 Estados brasileiros, 1,31% foram diagnosticados com psoríase, sendo as mulheres o grupo de maior incidência. No mundo, a patologia afeta de 2% a 3% da população.
Em São Paulo, a Secretaria de Saúde do Estado disponibiliza o medicamento gratuitamente, desde que o paciente apresente laudos e relatórios médicos atestando que passou por tratamentos clássicos, como pomadas, fototerapia e remédios de uso oral, mas não obteve melhora. Onde não há essa opção, a tentativa de acesso ocorre por ação judicial, segundo médicos.
“Esses biológicos são usados também na reumatologia, para quadros de artrite, e inflamação intestinal. Para isso, o governo autoriza em âmbito federal. A batalha é conseguir que, no futuro, essa medicação esteja no Brasil todo [para psoríase]”, aponta Ricardo Romiti, responsável pelo Ambulatório de Psoríase do Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Segundo o especialista, esses tratamentos modernos, injetáveis, “são muito eficazes, seguros e agem rápido”. O medicamento atua diretamente contra o anticorpo específico que leva à inflamação da pele e os resultados ocorrem em poucas semanas. “Há 15 anos, era difícil controlar [a doença] no paciente mais grave. Hoje, a cada ano chega um melhor, mais eficaz e mais rápido.”
Em dezembro do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou um novo tratamento biológico para psoríase, o ixequizumabe, que já está disponível nos Estados Unidos, Japão e Europa. Segundo a Eli Lilly, responsável pelo medicamento, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) está realizando uma avaliação para estabelecer o preço do produto. A partir disso, definirá sobre a disponibilidade nas redes pública e privada.
Segundo estudos que avaliaram a eficácia do ixequizumabe, 55% dos pacientes atingiram remissão total da doença e 80% tiveram melhora de, pelo menos, 75% das lesões em pouco mais de um ano de tratamento.
Diferente das opções convencionais para controle da doença, os biológicos apresentam poucos ou nenhum efeito colateral. As medicações clássicas diminuem a inflamação na pele, mas podem baixar a imunidade. Os pacientes podem ter reações alérgicas, problemas nos rins, fígado ou estômago. O tratamento deve ser bem monitorado para evitar riscos.
Como a psoríase ainda não tem cura, o tratamento é contínuo – por isso também a dificuldade de pagá-lo. Mesmo que as lesões desapareçam por completo, Romiti alerta que a tendência, caso a medicação seja interrompida, é que elas voltem com a mesma intensidade.
Lesões. O dermatologista Caio Castro, da SBD, explica que a psoríase é uma doença inflamatória caracterizada pelo crescimento acelerado da pele, criando placas que podem arder, coçar e até sangrar devido à dilatação dos vasos sanguíneos. Isso pode levar à fácil e rápida descamação dessa camada superior, deixando-a sensível.
Para os casos leves, pomadas anti-inflamatórias e exposição ao sol podem controlar o quadro. As lesões aparecem desde na unha até no couro cabeludo, ser pontuais nas pernas e braços ou nas articulações (cotovelos e joelhos). Em casos mais graves, se espalham por todo o corpo. Testes embrionários podem detectar algumas mutações genéticas presentes em subtipos da psoríase, mas ainda não são exames para uso em laboratórios clínicos.
Segundo Castro, há diferentes tipos de psoríase e uma delas, a palmoplantar (lesões na palma da mão e planta do pé), ocorre, na maioria das vezes, em pacientes fumantes. “O que piora é excesso de álcool, cigarro, estresse emocional e físico, infecções de garganta, algumas medicações inflamatórias e obesidade”, afirma.
O clima, quando resseca a pele, também pode agravar a doença. Além de sempre usar os medicamentos indicados pelo médico, sejam os clássicos ou biológicos, o dermatologista orienta a parar com os hábitos que pioram a psoríase.
Preconceito. Embora não seja contagiosa, 77% dos pacientes já sentiram algum preconceito, 48% mudaram hábitos e 81% tiveram autoestima e vaidade afetadas devido à doença, segundo pesquisas da Psoríase Brasil, que coletou dados de 11 mil pessoas.
Alexandre Ultramari, de 74 anos, sabe bem o que é isso. As lesões, que se espalharam pelo corpo depois de uma aparente micose na unha, fez com que ele alterasse hábitos. “Eu ia à praia com calça, me isolava em um canto e depois tirava. Não ia à piscina, não usava bermuda, não tinha convívio social. Foi extremamente prejudicial para a minha vida.” Ele só usava camisas de manga longa e, ainda assim, as feridas sangravam e deixavam manchas no tecido. “Totalmente desagradável. As pessoas olhavam diferente, não chegavam perto.”
Há pouco mais de 30 anos, quando recebeu o diagnóstico da doença, um dos medicamentos que tomou provocou a descamação total das palmas das mãos e plantas dos pés, além de acabar com a mucosa da boca e do nariz. Ele ficou dez dias sem ir ao trabalho, porque não conseguia andar. “Custava caro e só me prejudicou”, conta. Outro tratamento provocou uma forte reação alérgica, que deu edema de glote e fechou a garganta.
Em 2009, ele começou um tratamento biológico novo que vem dando resultado. Atualmente, Ultramari tem apenas duas pequenas feridas no corpo. Ele conseguiu o medicamento gratuitamente pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e faz aplicação a cada 14 dias. Antes, chegou a fazer fototerapia, técnica que emite raios ultravioleta dentro de uma cabine, usar pomadas e tomar corticoides, mas todos faziam efeito por pouco tempo.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que, desde 2013, com a publicação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para psoríase, oferece tratamentos para psoríase pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com fototerapia e fototerapia com fotossensibilização, além de medicamentos clássicos, como ciclosporina (cápsulas ou solução oral), metotrexato (comprimido ou injetável), cremes e pomadas. Em 2017, o sistema realizou 56.528 procedimentos ambulatoriais e 115 procedimentos hospitalares relacionados à doença. A pasta informou ainda que os Estados têm autonomia para incorporar procedimentos no âmbito local.
Imagem: Alexandre Ultramari faz tratamento para psoríase. Foto: Rafael Arbex/Estadão.
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