Educação

Superação marca história de bolsista do Juventude Conectada

Por Bel Buzzo Alonso

“Nunca pensei que ia trabalhar com o público. Por conta da minha dificuldade na fala, é difícil as pessoas me entenderem e muita gente não acreditava que eu podia ajudar. Ficavam com medo, mas agora já se acostumaram comigo e me procuram, porque dizem que entendo mais que eles”, é dessa forma que Maria Vitória Felício de Campos, 20 anos, expressa a conquista do primeiro emprego.

Bolsista do Programa Municipal Juventude Conectada, a jovem, devido a uma paralisia cerebral tem uma séria dificuldade motora, que a impede de usar os membros superiores, por isso utiliza cadeira de rodas, e também prejudica sua fala.

Mas nada disso tira o sorriso largo da menina sonhadora que conquistou seu diploma universitário em Gestão de Tecnologia da Informação e, há cerca de um ano, atua no telecentro do Agiliza Campinas da Subprefeitura do Campo Grande. A jovem bolsista segue sonhando com novos desafios e está focada em cursar Psicologia.

Sua história é marcada pela superação constante. Superar os limites impostos pela paralisia, o preconceito daqueles que não compreendem a diferença e o descrédito de quem vê apenas o físico e não enxerga a capacidade intelectual de uma pessoa com deficiência.

“Tem gente que me pergunta como sou feliz na cadeira de rodas. E eu respondo que a felicidade não é para quem anda, mas para quem se aceita como é. E eu me aceitei assim,” conta Maria Vitória com entusiasmo contagiante.

A jovem, que usa os pés para escrever, para usar o celular e para tocar teclado, relata que na faculdade a maior dificuldade era a comunicação com as pessoas. “Me comunicar e falar com as pessoas que têm dificuldade com a diferença foi o mais difícil na faculdade. Agora, conheço todo mundo lá,” relembra sorrindo.

O caminho da independência

Maria Vitória sempre foi muito sonhadora. Sempre quis ter sua independência e seu dinheiro. Por isso, quando a mãe viu o edital do Juventude Conectada, encaminhou o link para a filha e sugeriu que ela participasse do processo seletivo.

“Sempre pesquisei sobre concursos e oportunidades para ela participar, porque mesmo com a lei de cotas, as grandes empresas ainda não estão preparadas para pegar a Maria Vitória. Eu já fui a várias entrevistas com ela. Percebo que eles sabem que ela tem potencial, mas não estão preparados. Por isso, quando ela foi chamada pela Prefeitura foi a maior alegria para todos nós”, disse a mãe, Valdenice Felício de Campos.

O Programa Juventude Conectada, da Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, foi criado pela Prefeitura de Campinas em 2014. Atende a jovens com idade entre 15 e 29 anos, com uma grande variedade de perfis. Alguns que ainda estão no ensino médio, outros no ensino superior, outros já formados e, dentro desse universo, pessoas com deficiência.

A estimativa da coordenação é de que mais de 800 jovens tenham passado pelo programa até o momento. Ao todo, são 27 telecentros implementados em todas as regiões da cidade, que oferecem espaço gratuito para a utilização da internet, com orientação de bolsistas. Com uma média de 1.700 acessos por mês, este ano, até o final de setembro, já tinham sido contabilizados mais de 46.500 acessos.

O coordenador do programa Juventude Conectada, Felipe Gonçalves, relata a importância de garantir a inclusão de pessoas com deficiência nos telecentros e como todo esse processo é desafiador até mesmo para a equipe que faz a gestão do trabalho. “A diferença ainda causa estranheza, mas quando o usuário se abre para o novo há uma grande receptividade,” disse.

Com um cognitivo perfeito, Maria Vitória foi a 8ª colocada, entre as 32 pessoas com deficiência que prestaram o processo seletivo do programa em 2017; foram mais de 1.400 inscritos sem deficiência no mesmo concurso.

“Enquanto equipe, quando a vimos ficamos um pouco preocupados em como seria sua atuação no programa. E para nossa grata surpresa ela mostrou que conseguiria desenvolver todas as atividades. Como os demais bolsistas, ela atende a população e faz toda a parte de informática. Além disso é muito carismática, atuante e proativa”, reforçou o coordenador.

Para a bolsista Maiara Coimbra Silva, 26 anos, que atua com a Maria Vitória no mesmo telecentro, a história da jovem cadeirante é uma lição de vida.

“Trabalhar com a Maria Vitória é um aprendizado. É tudo muito novo, a gente aprende a dar mais valor à vida. Tem as limitações dela, mas não transparece, não se deixa abalar por isso. Ela ensina para gente que as limitações estão na nossa cabeça. O limite não é o corpo é a nossa mente”, colocou.

Usuária do telecentro, a garçonete Isabel Cristina Matos sempre busca os serviços do Juventude Conectada e foi atendida pela Maria Vitória várias vezes. “A primeira vez que a vi fiquei meio surpresa, mas ela atende muito bem a gente, sabe tudo e é super tranquila. Quando erro ela me corrige, me instrui. É fantástico”, disse.

Ampliando horizontes

O nascimento de uma criança sempre é uma oportunidade para ampliar os horizontes. Chega um bebê que requer cuidados constantes. Este bebê torna-se uma criança com suas indagações e descobertas. Vem a adolescência e o desenvolvimento é contínuo. Um filho, com certeza, amplia o horizonte. Com a Maria Vitória não foi diferente.

“Maria Vitória chegou ao mundo a fórceps quando a melhor opção teria sido uma cesariana”, relembra a mãe da jovem bolsista, Valdenice, que aos 46 anos nunca deixou de enfrentar os desafios que esse procedimento trouxe para a vida de sua primogênita.

A descoberta da paralisia cerebral ocorreu depois de uma tomografia, quando Maria Vitória tinha entre sete e oito meses de vida. A constatação do problema não esmoreceu a família. Mesmo desconhecendo a dimensão resultante da pequena lesão identificada pelo exame, os pais, Valdenice e Edmilson, deram início ao tratamento que poderia amenizar as sequelas motoras.

Na capital paulista, aos 2 anos de idade, Maria Vitória começou a frequentar uma escola especial, onde ficou até os 5 anos. Depois de uma avaliação cognitiva, concluíram que o intelecto da paciente estava preservado e que ela poderia aprender como os outros.

Foram muitos os desafios. Não havia mobiliário adaptado na escola e nem cuidador. Com a ajuda da mãe, a pequena estudante começou aprender a escrever com os pés. Nesse percurso, da 1ª até a 5ª série, ainda morando em São Paulo, Valdenice teve mais dois filhos, Davi e Noemi, mas nunca deixou de acompanhar e incentivar o aprendizado de Maria Vitória.

A chegada da adolescência culminou com a mudança para Campinas. Os cuidados da mãe continuaram, mas com um pouco mais de distância, porque a adolescente já buscava sua autonomia e queria que a mãe tivesse a mesma rotina que as demais. “Ela já estava ficando mocinha e sempre fez questão de se sentir igual aos outros e também queria que eu me sentisse igual as outras mães, ter liberdade e autonomia de deixar meu filho na escola e voltar pra casa,” contou.

Tomada pela vontade de crescer e vencer da filha, Valdenice retomou e concluiu os estudos, porque acreditava que Maria Vitória iria frequentar a faculdade. E assim foi. A mãe, de acompanhante e cuidadora, passou a ser universitária. Hoje cursa Pedagogia e já pensa numa pós-graduação na área de inclusão social.

Sonho: o combustível da vida

Apesar das limitações, a mãe sempre acreditou na capacidade da Maria Vitória. Com isso começou a ver o mundo com outros olhos. De acordo com ela, a Educação e a inclusão mudaram a história da família. “Nós plantamos a semente, agora estamos colhendo os frutos dessa longa trajetória que nos colocou muitos obstáculos, mas fomos vencendo um a um”, afirmou Valdenice.

De acordo com mãe, os estudos foram a alavanca na vida da Maria Vitória, “porque o conhecimento nunca é demais, sempre abre novas portas: uma vez que a mente dilata nunca mais volta ao normal”, filosofou a mãe.

Mãe e filha acreditam que o combustível da vida é o sonho e sem ele ninguém vai a lugar nenhum. O sonho, de acordo com essa dupla, ultrapassa limites e barreiras, porque é preciso usar a força de vontade. É preciso lutar e nunca desistir. É preciso parar de colocar a dificuldade antes da possibilidade.

“Maria Vitória é sonhadora! Muito além do que imaginei. E os sonhos dela foram tão altos que me fortaleceram e me fizeram sonhar também. E se você não acreditar no seu filho que é deficiente, você também não vai fazer com que o mundo acredite”, completou Valdenice.

Imagens: Divulgação – Fotos Carlos Bassan – Ela está sempre em busca de conhecimento.

Mais em: Campinas

Imagem: Divulgação – Ela utiliza os pés para tocar teclado.

Imagem: Divulgação – O atendimento de Maria Vitória é elogiado pelos usuários do Centro, como a Isabel.

Imagem: Divulgação – Ela aprendeu a arte de digitar com os pés.

Imagem: Divulgação – Os pais e Maria Vitória.

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