Meio Ambiente

Queda de árvores nas cidades: de quem é a responsabilidade?

Por Engº Ricardo Ribeiro – É Com Você

Caros leitores,

Cabe ressaltar que iremos preservar a identidade das partes envolvidas neste acidente, referindo-se apenas às instituições, com objetivo de evitar qualquer exposição indevida.

Ressaltamos, também, que não pretendemos esgotar o assunto, mas, trazer informações relevantes para que VOCÊ possa analisar e formular seu entendimento.

Para este artigo, buscamos uma ocorrência muito triste onde, infelizmente, resultou na morte de uma cidadã em decorrência da queda de uma árvore de grande porte na cidade de São Paulo.

A ocorrência foi em 01/dez/2020, na Rua Dr. Thirso Martins (Vila Mariana), quando uma árvore de grande porte caiu sobre o veículo que trafegava pela via pública. No veículo, havia quatro ocupantes, três ficaram feridos e um, infelizmente, morreu. A imagem abaixo ilustra o local do acidente.

Imagens do local do acidente:

Para os esclarecimentos jurídicos, procuramos a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, e fizemos algumas perguntas sobre o caso. Conheça as respostas da Dra. Paula Feldmann Comissão de Meio Ambiente da OAB SP, e do Dr. Caio Favaretto – Presidente da Comissão de Advocacia Criminal – OAB-SP:

  • Com base na legislação em vigor é possível imputar a responsabilidade da morte desta pessoa a alguém?

Dra. Paula Feldmann: “Com relação a danos patrimoniais e da esfera civil, a Constituição Federal determina a responsabilidade objetiva do Poder Público, ao determinar em seu art. 37, §6º, que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Com base em tal dispositivo, a jurisprudência vem determinando a responsabilização da Prefeitura pela indenização nos casos de queda de árvores. Com relação à responsabilização penal, essa questão deve ser verificada diretamente com um especialista em matéria penal”.

Dr. Caio Favaretto: “De acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6, bem como a Lei nº 10.365, de 22 de setembro de 1987 da cidade de São Paulo, em seus artigos 9 e 12, além do art. 186 do Código Civil, é possível concluir que no caso a responsabilidade pode ser imputada à prefeitura, visto que o Município, pessoa jurídica de direito público, deve responder pelos danos que seus agentes cometerem por ato ou omissão. Nesse sentido, o ônus de provar a falta do nexo causal entre a queda da árvore e a omissão estatal cabe à prefeitura.

Porém, neste caso, como ocorreu comunicação entre a Secretaria de Educação do Estado e a prefeitura, o nexo já está comprovado, visto que a prefeitura deveria ter cumprido o pedido de poda da árvore.”

  • Caso afirmativo, a responsabilidade pela morte desta cidadã é da Prefeitura ou do Estado?

Dra. Paula Feldmann: “A rigor, a realização de poda ou corte de árvores em logradouros públicos só pode ser realizada por servidores da Prefeitura, integrantes do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil, funcionários de empresas contratadas pela prefeitura para a execução destes serviços; e funcionários de empresas concessionárias de serviços públicos ou de outras por elas contratadas para a execução dos serviços, nos termos da Lei Municipal nº 10.365/1987. Dessa forma, a responsabilidade pela reparação dos danos civis e patrimoniais decorrentes da queda da árvore, seria da Prefeitura, a quem compete o corte de árvores em logradouros públicos.
Contudo, a lei traz como exceção a possibilidade de corte de árvores independentemente de prévia autorização em logradouros públicos ou em áreas particulares nas situações em que ficar caracterizada emergência, desde que seja realizada pelos legitimados acima ou por empresas ou profissionais contratados pelos Munícipes. Assim, caso tenha sido caracterizada emergência no caso em discussão, o Estado teria legitimidade para contratar profissional para a realização da poda, sem que aguardasse a realização do serviço pela Prefeitura, sendo, em tese, possível responsabilizá-lo por omissão também. Reiteramos que, do ponto de vista penal, o tema deverá ser avaliado por um especialista nessa área.”

Dr. Caio Favaretto: “O ente público responsabilizável pela manutenção, preservação, poda e corte de árvores, é aquele que administrativamente possui essa incumbência, diante da distribuição administrativa de competência entre os entes federativos determinados em lei. Assim, a Constituição Federal, em seu art. 225, determinou que cabe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente. Em complemento, no art. 23, a Constituição disciplina a cooperação administrativa recíproca entre à União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, sendo que, em seu art. 30 em relação ao artigo anterior, indica que compete aos municípios:

“legislar sobre assuntos de interesse local e promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.”

Nesse sentido, o art. 182 da Constituição Federal dispõe, em seu art. 182, que a política de desenvolvimento urbano deve ser executada pelo Poder Público municipal. Assim, cabe aos municípios zelar pela arborização. Na cidade de São Paulo, conforme a Lei nº 10.365, de 22 de setembro de 1987, que disciplina o corte e a poda de vegetação de porte arbóreo, as árvores existentes em vias públicas são de responsabilidade da prefeitura.  Entretanto, a título de exemplo, não seria esse o caso se ocorresse um acidente com queda de árvore dentro de um Parque Nacional, cujo ente responsável é o federal, conforme Decreto nº 84.017 de 1979 em seu art. 1º, § 2º.

Ademais, no caso, tal qual o julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação cível de nº10034558620178260445 (anexo), de relatoria de Danilo Panizza, haveria uma responsabilidade conjunta do Estado que administra a escola e da Prefeitura. Entretanto, há o registro de comunicação e pedido para poda feito pela Secretaria Estadual de Educação à prefeitura. Portanto, o Estado teria exercido seu dever de guarda ao comunicar o Poder Público competente, tendo a prefeitura se omitido e não cumprido com sua responsabilidade, ainda que o pedido tenha descrito um parque e não uma escola.

Em conclusão, a responsabilidade pode ser imputada à prefeitura de São Paulo.

  • A Polícia Civil deveria (por obrigação) instaurar um inquérito policial para apuração dos fatos e respectivos responsáveis pela morte desta cidadã.

Dra. Paula Feldmann: “Questões relativas à seara penal devem ser avaliadas por um especialista na matéria.

Dr. Caio Favaretto: “O art. 5º do Código de Processo Penal, disciplina que é necessária a abertura de Inquérito Policial, nos casos penais de iniciativa pública incondicionada. Nesse sentido, todos os casos em que não forem expressos em lei como privados ou condicionados serão incondicionados, conforme Art. 100 do Código Penal.  Portanto, a Polícia Civil tem por obrigação instaurar o inquérito no caso para apurar a morte da vítima, seja por delatio criminis (comunicação de qualquer pessoa acerca da infração à Autoridade Policial) ou notitia criminis (conhecimento espontâneo ou provocado, por parte da própria Autoridade Policial).”

  • Observando texto da reportagem, pode-se afirmar que houve omissão por parte da Prefeitura?

Dra. Paula Feldmann: “Embora pareçam existir elementos para se imputar a responsabilidade à Prefeitura por omissão, é preciso analisar as peculiaridades do caso, especialmente os autos do processo administrativo em trâmite perante a Prefeitura, bem como os procedimentos internos do Órgão para a realização de podas. De maneira geral, como dito anteriormente, a jurisprudência vem determinando a obrigação da reparação dos danos causados pela queda de árvores pela Prefeitura.

Dr. Caio Favaretto: “É possível afirmar que houve omissão por parte da Prefeitura, visto que foi realizado pedido para remoção da árvore, que não foi cumprido. Neste caso, o nexo de causalidade fica evidente. Portanto, seja através presunção de culpa do Estado, conforme defende Celso Antônio Bandeira de Mello, seja através do princípio da proporcionalidade, que guiaria a responsabilidade pública, conforme Juarez Freitas, o caso demonstra a omissão da administração pública.

Além disso, há uma relação de dever objetiva, para além da culpa, a prefeitura enquanto Poder Público responsável deveria ter realizado o corte, poda ou manutenção da árvore.

Cabe ressaltar, conforme Hely Lopes Meirelles:“zona urbana e rural, mas a cidade, por sua concentração populacional exige maiores cuidados da Prefeitura, que nela executa quase a totalidade de suas obras e serviços, a começar pelo arruamento, alinhamento e nivelamento, atividades caracteristicamente municipais, que marcam o início de toda urbanização”[1] “

Houve ampla cobertura da imprensa sobre esta ocorrência e segundo a reportagem do G1, “na terça-feira (1), o secretário estadual da Educação, Rossieli Soares, esteve no local e foi cobrado pela vizinhança. Mais tarde, a secretaria da Educação informou que pediu à Prefeitura da capital a remoção ou a poda da árvore no dia 28 de maio deste ano (2020) e que o serviço não foi feito. A Prefeitura disse que o pedido foi feito de forma incorreta. Segundo eles, o pedido indicava que a árvore estava em um parque, e não em uma escola.”

Entretanto, procuramos a Prefeitura para saber sobre os pontos levantados pela reportagem do G1 e obtivemos a seguinte resposta: “A Prefeitura de São Paulo, por meio da Subprefeitura Vila Mariana, informa que não recebeu nenhuma solicitação anterior ao incidente citado. A administração municipal esclarece que o manejo de árvores em área particular é de responsabilidade do proprietário do local.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) ratificou que “o pedido de poda foi feito em maio de 2020. A subprefeitura da região também chegou a ser acionada, já que a árvore estava danificando o muro da escola. A equipe gestora da unidade cobrou a prefeitura, que informou que solicitação estava devidamente registrada e seriam realizados os procedimentos necessários, mas não houve formalização da resposta ao pedido.

Em conversa com o Delegado do 16º DP da Vila Clementino, que conduziu as investigações, na esfera criminal não houve como culpar alguém, embasado no Laudo Pericial cuja conclusão, ouvida as partes, apontava para “motivo de força maior”. (não tivemos acesso ao Laudo).

Então, foi gerado o Processo nº 1500004-22.2021.8.26.0003 – FORO REGIONAL III – JABAQUARA1ª VARA CRIMINAL, (anexo), cujo arquivamento em 07/12/2021, foi determinado pela Juíza, segundo ela, o Laudo Pericial foi fator preponderante na decisão. (o É Com Você não teve acesso ao referido laudo pericial)

Nesse caso, na esfera criminal, a culpa pela morte não foi atribuída a ninguém. Lembrando que, como não tivemos acesso ao conteúdo do Laudo Pericial, não pudemos examinar a devida pertinência. Porém, na esfera civila família poderia ter entrado com uma ação indenizatória onde, conforme análise dos advogados consultados, a Prefeitura poderia ser responsabilizada.

Meus amigos, situações como esta que apresentamos, podem ser evitadas pela Prefeitura, uma vez que, ela é a responsável pela fiscalização e emissão das autorizações para o serviço de poda e remoção de árvores.

Veja nos gráficos abaixo a evolução dos serviços de poda e remoção de árvores:

Em 2020, uma dessas ocorrências resultou na morte da cidadã que motivou essa reportagem.

Embora a Prefeitura apresente os números, é necessária uma gestão mais eficiente no manejo da arborização urbana para evitar a morte de pessoas e, principalmente, a continuação de projetos de cunho preventivo.

Pessoal, embasado no acima exposto, acredito que VOCÊ já pode responder de quem é a responsabilidade pela queda de árvores nas cidades?

Divulgue aos seus amigos e familiares!

Agora É Com Você!

Abraços.

Engº Ricardo Ribeiro.

 

ANEXOS:

[1] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, Ed. RT, 4ª ed., p. 332.

Apelação cível de nº10034558620178260445

Legislação no Município de São Paulo:

Lei 10.365/87

Lei 15.425/11

Lei 15.470/11

Lei 16.137/15

Lei 17.267/20

Lei 17.794/22

 

Imagens: Divulgação

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